Maria Aparecida Moura
Maria Aparecida Moura, a pesquisadora que articula comunicação e sistemas de organização para recuperação de memórias sociais e produção de conhecimentos
Por Vitória Régia da Silva
Primeira professora negra titular da UFMG, ela afirma que teve dificuldade para ingressar e permanecer na Academia
Foi por meio dos movimentos sociais, principalmente o movimento negro, que a pesquisadora Maria Aparecida Moura conheceu e se interessou pela carreira acadêmica. Durante seu trabalho no Grupo de Estudos e Educação Comunitária (GETEC), em Contagem (MG), que foi criado durante a ditadura militar para salvaguardar a documentação dos movimentos sociais, ela teve a oportunidade de ter contato pela primeira vez com um computador, fazer cursos de fotografia, produção de vídeo e comunicação voltada para movimentos sociais. “Eu fui para a universidade a partir dos movimentos sociais e não o contrário, foi o movimento social que me impulsionou a estar na academia”, pontua Moura.
Segundo a mineira, quando foi para a universidade fazer a graduação em Biblioteconomia já sabia que queria organizar informações para movimentos sociais, que em geral carecem de pessoas atuando nessa frente. “Até hoje trabalho com essa perspectiva, de ver o que está ou não está sistematizado e partir dos processos próprios da ciência da informação e comunicação, produzir essa recuperação e sistematização para que possam ser úteis para as pessoas.”
Professora titular da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), coordena o Núcleo de Estudos das Mediações e Usos Sociais dos Saberes e Informações em Ambientes Digitais (NEMUSAD) e o Museu virtual – Saberes Plurais e o Laboratório de Culturas e Humanidades digitais (LabCult). Suas pesquisas articulam comunicação, inovação tecnologia e organização da informação relacionadas a questões com identidade, resgate de memória sociais e produção de conhecimento de grupos colocados a margem.
Devido a sua formação em diferentes áreas, a pesquisadora não limita seu trabalho a apenas uma área de conhecimento. Ela possui graduação em Biblioteconomia e mestrado em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), doutorado em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC) e Pós-doutorado em Semiótica Cognitiva e Novas Mídias pela Maison de Sciences de l’ Homme. A pesquisadora estava novamente na França quando concedeu essa porque ganhou uma bolsa para atuar por um ano como professora visitante sênior da Capes na Universidade Paris-Est Créteil, que fica em Cretéil uma cidade próxima de Paris, na França.
“Quem vem de movimentos sociais e de comunidades periféricas chega na universidade com muitas carências, por isso, depois da graduação eu continuava com uma sede de saber muito grande e com vontade de aprender coisas que não tinham necessariamente a ver com a minha área de origem, o que fez com que minhas linhas de estudos fossem variadas”, destaca a pesquisadora.
Uma das suas principais linhas de pesquisa é o digital storytelling, conhecida como narrativa digital, em que trabalha com a memória de mestres de ofícios da região do Vale do Jequitinhonha. Os mestres de ofícios são pessoas que trabalham com um ofício específico como artesanato e tambores e que desenvolveram essa expertise e se tornaram referências em suas regiões. “Essas pessoas estavam morrendo sem nenhum registro da vida e das suas contribuições para aquela região”, conta. Desde 2012, o objetivo dessa pesquisa é fazer o registro das memórias em vídeos (até o momento foram produzidos 16 documentários) e publicações científicas. Além disso, também são oferecidas oficinas de digital storytelling para que os mais jovens da comunidade conheçam seus mestres de ofícios e possam seguir fazendo esse registro.
Periferia, maternidade e negritude
Docente há mais de vinte anos, Moura relembra como teve dificuldades para ingressar e permanecer na Academia. Como entrou na universidade um pouco mais tarde, com 24 anos, porque já era mãe e morava na periferia de Belo Horizonte, ela relata que sem o apoio dos movimentos sociais e da instituição que trabalha não teria conseguido. Reflexo das desigualdades sociais de gênero e raça, Moura teve que dar contas de diferentes demandas: fazia graduação, trabalhava no Getec, fazia iniciação científica e era envolvida com pesquisa, extensão e movimento estudantil.
Durante a pós-graduação e a docência, essas disparidades raciais ficavam ainda mais claras no ambiente acadêmico. “Eu era uma raridade, no doutorado era a única negra e por muitos anos fui a única docente negra da minha faculdade (…) há sete anos, eu fui a primeira professora negra titular da UFMG e ano passado, a professora Nilma Lino Gomes se tornou a primeira professora negra emérita da universidade”. Nilma Lino Gomes é pedagoga, professora e foi a primeira mulher negra do Brasil a comandar uma universidade pública federal, a Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB), em 2013 e foi ministra do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos (2015-2016)
Apesar das dificuldades, a pesquisadora celebra os avanços dos últimos anos, principalmente resultado de ações afirmativas e da reserva de vagas para pretos, pardos e indígenas no ensino superior. “Avançou o cenário porque alargamos a cerca a partir de dentro, os primeiros professores negros que entraram não ficaram de braços cruzados. Entramos, identificamos que o ambiente é hostil para a negritude e diversidade, e achamos que era importante desenvolver iniciativas que permitissem esse alargamento”
Devido ao seu trabalho dentro e fora da academia pelos direitos da população negra, Moura foi homenageada pela Câmara Municipal de Belo Horizonte por sua relevante atuação na luta contra o racismo, em 2017. “É importante que sejamos reconhecidos ainda em vida, porque ajuda a dar sentido no que construirmos e pensar no que podemos ainda fazer. Essa foi uma homenagem que não foi para preencher uma linha do lattes, mas que me coloca junto da minha comunidade e me deu forças para seguir em frente com meu trabalho”, destaca a pesquisadora.
A pesquisadora cresceu ao lado de suas referências, que são principalmente mulheres negras brasileiras. “Eu venho de uma família de mulheres negras, que criaram seus filhos sozinhas e foram à luta, mulheres como minha mãe e minha avó foram as minhas primeiras referências. Depois disso, as lideranças sociais que conheci diretamente ou intermediado pela literatura, que me fizeram pensar ‘quando eu crescer quero ser do tamanho dela’”. Entre as mulheres citadas pela pesquisadora estão Luiza Barros, que foi ministra-chefe da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial do Brasil (2011-2014), a escritora Cidinha da Silva, a filósofa Sueli Carneiro que é a fundadora e atual diretora do Geledés — Instituto da Mulher Negra e Mãe Stella de Oxóssi, uma das mais importantes representantes do candomblé brasileiro.
Maria Aparecida Moura
UNIVERSIDADE DE DOUTORADO
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC)
ÁREA DE PESQUISA MAIS RELEVANTE
Ciência da Informação
TÍTULO DA PESQUISA
A concepção e o uso das linguagens de indexação face às contribuições da semiótica e da semiologia
ONDE VIVE
Belo Horizonte (MG)
O QUE NÃO PODE FALTAR NA CIÊNCIA BRASILEIRA?
Sensibilidade social e financiamento “Não pode faltar sensibilidade social, para as questões históricas e abertura e escuta para as questões novas. Financiamento também não pode faltar na ciência”