Perfil das protagonistas e dados do Censo da Educação apontam que docência é principal fonte de renda
Apenas 15% de todas as mulheres que pesquisam e também são docentes no Ensino Superior do Brasil têm acesso à bolsa de apoio à pesquisa
Pesquisadoras e também docentes, acima de 40 anos, brancas. Esse é o perfil mais recorrente entre as cientistas que compõem o universo de protagonistas aqui cartografado a partir da análise dos dados dos currículos preenchidos por elas mesmas na Plataforma Lattes. Parte desse grupo também é de líderes, pois elas chefiam departamentos, comissões ou grupos de pesquisa e de grandes eventos científicos em universidades e em órgãos de apoio à ciência.
Homenageada neste 2020 na primeira edição do prêmio “Carolina Bori Ciência & Mulher”, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, a biomédica Helena Nader já acumula premiações e primeiros lugares na ciência brasileira há décadas, e mais de 30 anos dessa trajetória bem-sucedida são permeados pelas suas aulas na Unifesp, onde é professora titular desde 1989.
Mesmo que seja representativa do “perfil dominante” das pesquisadoras protagonistas nos quesitos ocupação, idade e raça, Nader tem a característica de convergir pesquisa, política e gestão, o que faz dela um nome que ocupa espaços onde ainda é escassa a presença feminina, como a Academia Brasileira de Ciências, onde é membro titular desde os anos 90, e a Pró-Reitoria de Graduação e de Pós-Graduação e Pesquisa da Unifesp, que dirigiu entre 1999 e 2008.
A docência é um lugar de realização para muitas das protagonistas da cartografia, como declararam nas entrevistas que podem ser lidas na seção “Conheça protagonistas de cada área”, mas sem dúvida é também uma forma de conseguirem priorizar a trajetória acadêmica. Embora as protagonistas aqui mapeadas tenham uma produção científica que lhes chancelam para pleitear constantemente bolsas e recursos de apoio à pesquisa, elas têm, em geral, como renda principal, os salários das universidades e de centros de pesquisa onde lecionam e orientam.
Somar ganhos pelas duas funções é ainda privilégio para um grupo bem pequeno. Os dados do Censo do Ensino Superior de 2018 analisados para o Open Box mostram que 85% das mulheres pesquisadoras docentes no país não têm bolsa de apoio do sistema que fomenta a pesquisa brasileira.
Na docência, as pesquisadoras protagonistas se desdobram, sendo comum acumularem aulas na graduação, na pós-graduação – onde as demandas para orientações de pesquisa são constantes. Mas há bônus em tanta responsabilidade: a orientação também significa reforço para pesquisas, fôlego para produções de artigos em periódico e a possibilidade de conhecer novas abordagens para linhas de pesquisa onde já atuam. A relação de orientando e orientadora muitas vezes amadurece para parcerias a longo prazo, molda a carreira de ambos.
A engenheira química Bluma Guenther Soares neste ano celebra cinco décadas na Universidade Federal no Rio de Janeiro, e no momento tem quase 30 pesquisadores sob seus olhos. Mesmo que haja referências como Bluma, é sempre importante lembrar que elas não são nem 30% do grupo de doutoras da grande área das engenharias. A partir da análise dos dados da Plataforma Lattes, é possível observar que a engenharia é o campo com a maior diferença na presença entre homens e mulheres que apresentam pelo menos o título de doutor: elas são 3657. Eles, 10.399 – de um total de 14.056 de engenheiros doutores (74%).
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Na grande área de ciências exatas e da terra também há um abismo: elas são 31% do total de pesquisadores desta área que têm pelo menos doutorado diante de 69% de homens com a mesma qualificação, segundo os dados do Lattes acessados pela Gênero e Número, para o desenvolvimento do Open Box.
A física Sandra Padula, pesquisadora no campo de altas energias que integra a equipe de pesquisadores brasileiros colaboradores da Organização Europeia de Pesquisas Nucleares num dos experimentos mais sofisticados da área, o Grande Colisor de Hádrons, sempre percebeu “que não eram muitas as mulheres no seu campo”, mas foi quando iniciou atividades com o objetivo de divulgação científica para a sociedade que ela entendeu que poderia ser uma voz ativa nesse convite às meninas. Há mais de uma década, Padula reserva um fôlego para, anualmente, apresentar a alunos de Ensino Médio – e há forma grupos onde o público-alvo são as meninas – o que é a física, a partir de relatos do seu trabalho e também de exercícios que aproximam a física do dia a dia. “Eu tenho de relatos de jovens estudantes que decidiram seguir na física depois de terem contato com o Masterclass [o programa internacional de divulgação científica do qual faz parte]”.
O Masterclass é uma das iniciativas que já não ignoram a questão de gênero na ciência. Como a realidade da baixa presença de doutoras em relação aos doutores em áreas como ciências exatas, da terra e engenharias não é uma questão isolada no contexto brasileiro, há também iniciativas internacionais que visam influenciar cientistas já consolidados – como a GenderInSite – Gender in science, innovation, technology and engineering (SITE). Com uma atuação mais incisiva para a África e para o Caribe, o programa propõe, a partir de estudos regionais que tratam da necessidade de ampliar a presença das mulheres na ciência como uma questão do desenvolvimento sustentável, caminhos para implementar mudanças. Na plataforma online, publicações podem ser acessadas e lidas na íntegra. Uma das mais interessantes é a “Pathways to Success: Bringing a Gender len to the Scientific leadership of Global Challenges”, onde a lente de gênero é aplicada desde o nível “carreira individual” até o funcionamento das organizações de pesquisa e de articulação política para a ciência.